Em junho de 2011, um surto de contaminação na Europa causado por Escherichia coli
forçou as instituições de pesquisa em diversas partes do mundo a
publicarem na internet os dados de que dispunham sobre o genoma da
bactéria para agilizar e facilitar o reconhecimento da cepa causadora da
infecção.
Por meio da cooperação científica internacional, se descobriu que se
tratava de uma nova cepa, resultante da combinação do material genético
de outras duas cepas de E. coli, que era resistente a 18 tipos de antibióticos e libera no organismo humano uma toxina, denominada shiga, que causa a falência dos rins.
A partir do sequenciamento genético da nova cepa da bactéria, foi
possível desenvolver um teste, chamado PCR em tempo real, que
possibilitou a triagem em apenas algumas horas dos pacientes
contaminados para receberem tratamento adequado, e desta forma controlar
o surto de contaminação que poderia tomar proporções globais.
Na avaliação de Jessica Bland, conselheira científica da Royal
Society do Reino Unido, o exemplo é bastante ilustrativo de como se pode
realizar ciência de formas mais aberta e interativa que, segundo ela,
representam alguns dos maiores desafios científicos da atualidade e que
devem ser superados em breve devido a pressões sociais.
“A ciência terá que rever a forma como disponibiliza os dados que
gera desenvolvendo, por exemplo, novas práticas computacionais”, disse
Bland durante a conferência que proferiu no 1º Encontro Preparatório
para o Fórum Mundial da Ciência 2013, realizado nos dias 29 a 31 de
agosto na FAPESP.
De acordo com a especialista, alguns dos fatores que estão impelindo
esta mudança de paradigma da ciência é o aumento da demanda pelo acesso a
dados científicos.
De um lado, os cidadãos e os legisladores estão necessitando, cada
vez mais, de evidências científicas para dar suporte para tomada de
decisões em relação a questões como os transgênicos, que tem mobilizado a
opinião pública do Reino Unido, onde recentemente ocorreu um protesto
em que manifestantes reclamaram da falta de discussão sobre o assunto.
Por outro lado, as empresas também necessitam ter maior acesso aos
resultados das pesquisas científicas, que podem dar origem a inovações
tecnológicas e aumentar sua competitividade.
“Hoje está em curso uma discussão no Reino Unido e na Europa sobre
como possibilitar a abertura de dados científicos por empresas, que
podem se converter em desenvolvimento econômico”, contou Bland.
Entretanto, segundo ela, um dos fatores que estão impedindo o acesso
dos dados científicos até mesmo pelos pesquisadores é o fato de que não
estão disponibilizados de forma racional.
“Não basta apenas abrir os dados científicos. É preciso
disponibilizá-los de forma que sejam acessíveis, inteligíveis,
avaliáveis e reutilizáveis”, afirmou Bland.
“A abertura de dados por si só não tem valor. Somente quando esses
quatro critérios forem atendidos pode se considerar que os dados
científicos estão devidamente abertos”, avaliou.
Limites para abertura de dados científicos
Um dos limites à abertura de dados científicos apontados por ela são interesses comerciais legítimos.
Entretanto, segundo Bland, as instituições de pesquisa já dispõem de
mecanismos para proteger suas descobertas, que podem resultar em
patentes ou recebimento de royalties.
Na Europa, por exemplo, algumas instituições de pesquisa
desenvolveram um sistema que possibilita que indústrias farmacêuticas
possam comparam seus bancos de dados de moléculas com os delas, por
exemplo, sem que tenham acesso às informações estratégicas uma das
outras, que podem resultar no desenvolvimento de um novo fármaco.
“Isso mostra que as instituições de pesquisa não precisam ser
totalmente fechadas em relação à publicação de seus dados. Elas podem
disponibilizá-las em um sistema seguro”, indicou.
De acordo com ela, outro limite à abertura dos dados científicos, também ilustrado por outro exemplo recente, é a segurança.
Em agosto de 2011, cientistas dos Estados Unidos e do Japão submeteram dois artigos para avaliação das revistas Nature
e Science, em que relatam os resultados de uma pesquisa sobre um vírus
da gripe aviária modificado em laboratório que desenvolveram juntando o
vírus da gripe aviária com o da gripe suína (H1N1).
A publicação dos artigos foi embargada após um pedido do governo
americano que alegou que as descobertas poderiam ser utilizadas por
terroristas para desenvolver armas biológicas, e dividiu opiniões – a
Organização Mundial da Saúde (OMS) defendia a publicação, enquanto
órgãos de segurança dos Estados Unidos se manifestaram contrários.
No início de maio de 2012, a Nature ignorou o pedido do
governo americano e publicou um dos artigos, sob a alegação de que
qualquer informação restrita distribuída aos laboratórios universitários
não consegue permanecer na condição de confidencialidade por muito
tempo.
“O que nós vemos é que quando os dados científicos são mais abertos,
aumenta a segurança, como pode ser visto no caso da publicação dos
dados da pesquisa sobre o vírus modificado da gripe aviária. A abertura
de assumir o risco de publicar levou a uma situação de maior segurança”,
avaliou Bland.
A grande aspiração, segundo a especialista, é que em breve todos os dados científicos possam ser disponibilizados online e que seja possível interoperá-los.
“Os dados são parte integrantes da ciência e precisam ser melhor
comunicados e não só incluídos nos artigos científicos”, afirmou.
Fonte: Agencia FAPESP
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