Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos com participação brasileira
identificou as alterações epigenéticas que são essenciais para a
sobrevivência de células cancerosas. O estudo demonstrou
experimentalmente que as células tumorais morrem quando são reativados
os genes que haviam sido “desligados” pela anomalia epigenética.
Epigenética é a informação genômica que não faz parte da sequência do
DNA. Em geral, as células cancerosas apresentam padrões anômalos de
metilação do DNA. A metilação é o principal mecanismo epigenético, no
qual um grupo metil é transferido para algumas bases de citosina do DNA.
Padrões aberrantes de metilação podem levar as células cancerosas a uma
transformação maligna.
O trabalho teve seus resultados publicados na edição desta segunda-feira (14/05) da revista Cancer Cell.
O primeiro autor do artigo, Daniel Diniz de Carvalho, realiza
pós-doutorado no Departamento de Urologia, Bioquímica e Biologia
Molecular da Universidade do Sul da Califórnia (Estados Unidos).
Graduado em medicina veterinária pela Universidade de Brasília (UnB), Carvalho concluiu em 2009 doutorado,
com Bolsa da FAPESP, no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da
Universidade de São Paulo (USP), na área de imunologia, sob a orientação
do professor Gustavo Amarante-Mendes.
Trabalhos anteriores de Carvalho já haviam gerado resultados importantes, publicados nas revistas Oncogene , do grupo Nature, e PLoS Genetics.
O cientista acaba de ser contratado pela Universidade de Toronto
(Canadá), onde coordenará seu próprio laboratório no Instituto de Câncer
de Ontário, da mesma instituição.
Segundo Carvalho, o principal objetivo de sua linha de pesquisa, que
terá continuidade no Canadá, é contribuir para o desenvolvimento de uma
nova geração de terapias epigenéticas.
“Há terapias epigenéticas sendo usadas clinicamente, mas elas mudam
todo o padrão do DNA, ativando não apenas os genes que impedem a
sobrevivência do tumor, mas também vários outros que não deveriam ser
ativados. Por serem inespecíficas, são terapias de alto risco. Neste
estudo, identificamos alvos importantes para o futuro desenvolvimento de
uma segunda geração, mais eficiente, de terapias epigenéticas”, disse à
Agência FAPESP.
Todas as células do organismo possuem a mesma informação genética. O
que garante a diferenciação entre elas, possibilitando a formação de
vários tecidos, é o fato de determinados genes estarem ligados ou
desligados. Essa regulagem é feita por mecanismos epigenéticos, com a
metilação de DNA e alterações na cromatina.
“Quando esse mecanismo é desfigurado por uma alteração epigenética,
podem surgir várias doenças, em especial o câncer. Quando essa alteração
leva a célula a se tornar um tumor, ela perde ainda mais o controle do
mecanismo de regulação. A célula começa então a acumular outras mutações
que não têm importância nenhuma na gênese do tumor”, explicou.
Distinguir as alterações epigenéticas importantes – que garantem a
sobrevivência do tumor – das alterações causadas pela própria presença
do tumor é um grande problema para a ciência.
“Com as novas técnicas de sequenciamento disponíveis, mapeamos todas
as alterações genéticas e epigenéticas. Mas como só analisamos a célula
tumoral no fim do processo, não sabemos quais alterações são a causa e
quais são consequências”, disse Carvalho.
Genes fundamentais
Identificar as alterações epigenéticas essenciais para a
sobrevivência do tumor é fundamental para identificar alvos terapêuticos
adequados, segundo Carvalho.
“Uma mutação genética é uma alteração definitiva, mas as alterações
epigenéticas são reversíveis e por isso mesmo são muito interessantes
para possíveis terapias”, disse.
Para identificar as alterações epigenéticas essenciais, os cientistas
analisaram uma célula tumoral com grande quantidade de metilação
aberrante e, gradualmente, reduziram os níveis de enzimas que produzem a
metilação no DNA.
“Reduzindo a disponibilidade de metilação, colocamos pressão para que
a metilação só fosse dirigida aos DNAs necessários. Até certo momento a
célula cancerosa sobrevivia. Depois de certo nível de redução a célula
não sobrevivia e sabíamos então que os últimos DNA metilados eram
essenciais para a sobrevivência do tumor”, disse Carvalho.
Em seguida, os cientistas mapearam o genoma e descobriram onde se
localizavam os genes fundamentais. Utilizando amostras de tumores do
consórcio internacional Cancer Genoma Atlas, verificaram que os genes fundamentais estavam sempre ativos em células tumorais.
“Depois reativamos esses genes nas células, para verificar se
realmente eram importantes. Assim que os genes eram reativados, as
células tumorais morriam. De fato, a sobrevivência do tumor só é
possível quando esses genes estão silenciados”, afirmou.
Embora inativos, os genes fundamentais permanecem intactos na célula
tumoral. Segundo Carvalho, o desafio agora é descobrir como reverter a
metilação do DNA, reativando esses genes para matar o tumor.
“Um dos principais objetivos dessa linha de pesquisa é identificar um
mecanismo que permita encontrar um alvo de genes específicos,
viabilizando uma segunda geração de terapias epigenéticas. Outra meta
consiste em melhorar os resultados das terapias epigenéticas
inespecíficas que, ao ativar muitos genes da célula tumoral, a tornam
imunogênica. Achamos que podemos aprimorar essas terapias combinando-as
com a imunoterapia”, disse.
O artigo DNA Methylation Screening Identifies Driver Epigenetic Events of Cancer Cell Survival (doi:10.1016/j.ccr.2012.03.045), de Daniel Diniz de Carvalho e outros, pode ser lido por assinantes da Cancer Cell em www.cell.com/cancer-cell.
Fonte: Agencia FAPESP
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